Não-poema

Um poema é mais do que rimas

Foge das métricas, da compreensão da gramática

Não é exato, varia em todos os graus de insanidade

As palavras voam da folha

Cantam, dançam e explodem

Exalam cheiros e sons numa mesma melodia

Mesmo sem estar presas, gritam por liberdade

Elas fogem, voltam, mudam de ordem. Tudo a seu bel prazer

Instalando-se em cada parte da nossa corrente sanguínea

Grudando nos cantos mais obscuros de nossa garganta

Apenas esperando para serem atiradas, berradas numa sala grande

Juntas, livres, perfeitas

Um poema é a forma das palavras

Enquanto fogem, dançam e explodem

Um poema não existe

Isto não é um poema.

Linha do tempo

Volto para casa

Cada passo, um dia

Não posso parar

Olho ao redor

Fotos e vídeos,

Tentativas frustradas de continuar a viver

Eternamente

Eu vejo apenas o passado

Assim como todos antes de mim

Não há alegria, só saudade

Não há nada

Tudo foi

Ou será

Nunca é

Os segundos demoram anos

E as décadas voam

O esquecimento consome tudo

Uma besta voraz no fundo do abismo profundo

Não, não temos ninguém

Gritamos desesperados por atenção

De alguém que também grita

Uma bela sinfonia

Ninguém vai te ouvir

Tarde demais para dizer adeus.

Silent Scream

Não há palavras

Nem vozes ou pessoas.

Somente estas amarras apertadas em torno de meus pulsos

Fico parada

Sem saída além do abismo a minha frente

Sou atraída cada vez mais por aquela imensidão aterrorizante

De onde não se pode fugir

Sei que pularei, hora ou outra

Todos pulam

Alguns conseguem dormir, e deixam de ver o temível e sereno buraco

Mas ainda assim caem

O despertar, tão sonhado por alguns, é apenas real

Não há eufemismos, nem pequenas mentiras

É uma desesperante tortura

Que te deixa louco

Seu corpo não aguenta o peso

E o silêncio diz para pular

Ninguém é, apenas existe

Uma pilha nova não fará falta

Há milhares de outras celas ao lado

Nem um som

Coloco palavras no chão, quase escondidas sob o Medo

Esse é meu grito

Alguém o dia o ouvirá

Perdido num chão sujo, de uma cela pequena

Um último grito silencioso.

Jornal das Oito

Boa noite

 

Sofrimento,

Morte,

Angústia,

Choro,

Polícia,

Violência,

Hipocrisia.

 

Engulam tudo aos goles

 

Doença,

Roubo,

Desemprego,

Enchente,

Políticos,

Fome,

Dinheiro.

 

Acreditem na verdade absoluta, “sem cortes”

 

Ódio,

Censura,

Sangue,

Crise,

Ditadura,

Guerra,

Manipulação.

 

E então esqueçam, pois é hora de ver os gols

 

Temos o controle de vocês

Teletelas em sua sala de estar

Aperto apenas um botão:

Sentem,

Parem,

Admirem.

Fiquem agora com a novela das nove.

Gritos

Sentados na frente da TV

Engolindo diversão barata

E notícias manipuladas

Reclamando do governo

Até os 90 minutos começarem

Cegos, surdos, mudos.

Impotentes, é o que pensam

Moldados em uma fila,

Objetos na linha de produção.

 

Então alguém grita.

 

Um grito fraco, com medo

Mais um se junta a ele

Mais alto, ininterrupto

Outros também gritam,

Sabem que não conseguirão todos

Mas a sensação de incômodo está presente, é percebida

Alguns enlouquecem,

Alguns fingem que não é nada.

 

Não há mais tanta gente nos sofás.

 

Voam balas de borracha

Junto com lágrimas forçadas

Não importa

O grito continua ali